quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Camões, grande Camões, quão semelhante

Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co'o sacrílego gigante.

Como tu, junto ao Ganges sussurante,
Da penúria cruel no horror me vejo.
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.

Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.

Modelo meu tu és, mas . . . oh, tristeza! . . .
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.
                                                      
                                                       Bocage

Da pérfida Gertrúria o juramento

XXIV

Da pérfida Gertrúria o juramento
Parece-me que estou inda escutando,
E que inda ao som da voz suave e brando
Encolhe as asas, de encantado, o vento.

No vasto, infatigável pensamento
Os mimos da perjura estou notando...
Eis Amor, eis as Graças festejando
Dos ternos votos o feliz momento.

Mas, Ah!...Da minha rápida alegria
Para que acendes mais as vivas cores,
Lisonjeiro pincel da fantasia?

Basta, cega paixão, loucos amores;
Esqueçam-se os prazeres de algum dia,
Tão belos, tão duráveis como as flores.
                                                           
                                                               Bocage

BOCAGE: MITO LITERÁRIO

Manuel Maria de Barbosa du Bocage, nascido em 15 de setembro de 1765 na cidade de Setúbal (Portugal), considerado o maior poeta do século XVIII. Apelidado pelo povo simplesmente de Bocage, mas os seus amigos o chamavam de Manuel Maria. Na sua vida Arcádia recebeu o pseudônimo de Elmano Sadino. Diferenciou-se dos poetas árcades à medida que tomou como tema para suas poesias a sua própria experiência de vida, gerou uma poesia tensa e turbulenta, manifestação exagerada das angústias humanas. O que lhe causou a fama de boêmio dissoluto, de piadista e de poeta pornográfico.
 Ao lado do seu grande mestre Camões e de Anterio de Quental, Bocage é considerado um dos três maiores sonetistas de toda literatura portuguesa. Por ser grande perseguidor das obras e vida de Camões, ele atingiu na lírica o ponto alto de sua obra. Mas também, sobressaiu-se como poeta satírico e erótico. A poesia erótica era muita intensa, tanto em palavras quanto em sentido poético, era tida como algo “inexistente”, “perversa”.  Assim, Bocage foi perseguido pela cesura portuguesa e o mesmo considerado satírico e maldito.
A vida acadêmica de Bocage foi marcada por dois períodos transitórios: o primeiro marcado por inúmeras mudanças, como a Revolução Francesa (1789); a segunda, pela a progressão do Romantismo. Dessa forma, a sua obra é um trabalho de transição que demonstra concomitantemente aspectos dos dois movimentos literários.
A poesia bocageana na fase inicial é marcada por criações e temas convenientes do Arcadismo: ambiente bucólico, o ideal de vida simples e alegre, a simplicidade e clareza das ideias e da linguagem. No outro conjunto de criação poética do autor, chamado de pré-romântico, vai de encontro aos postulados Árcades e antecede o movimento literário Romantismo. O eu lírico se coloca, num gesto completo de desespero e descontrole emocional. Em vez de equilíbrio, percebe-se o pessimismo existencial do autor, sendo a morte uma saída para saciar angustia de viver.
Há um predomínio total da emoção, sem nenhum vínculo com o racionalismo. Em lugar da objetividade, predomina o subjetivismo. Com o espírito aventureiro, Bocage passou seus 40 anos de vida, destacados pelo sofrimento (dificuldades, doenças e misérias) e pelos insucessos (perseguições) de toda ordem.
Aos 15 anos ingressou no serviço militar; aos 21 anos foi incorporado à Marinha Real, foi para Goa na Índia, onde permaneceu por três anos, não aceitando ser transferido para Damão, desertou e fugiu para China. Em 1790, ao retornar para Portugal, Bocage sofrera a sua maior decepção, que foi ver a amada Gertrudes, casada com seu irmão, Gil Bocage.
Sua carreira literária não foi menos turbulenta. Participou da Nova Arcádia, por mais de três anos, da qual, foi expulso. Em 1797 foi preso porque conspirava contra a segurança do Estado, consegue redução da sua pena. É transferido para uma prisão no Mosteiro de São Bento e, no hospício das Necessidades, viveu um período de calma. Saindo do convento, em 1799, publicou o segundo volume das Rimas, ficou livre de todos os “vícios”, passou a trabalhar como tradutor para se manter e sustentar sua irmã e sobrinha. Tornou-se pobre e doente, reconciliou com todos aqueles que o ofendera e morre em 21 de dezembro de 1805. Antes de morrer lamenta “as desordens fatais da louca idade”, como relata no poema “Já Bocage não sou!... À cova escura”:

Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.

Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento.
Musa!... Tivera algum merecimento,
Se um raio da razão seguisse, pura!

Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:

Outro Aretino fui... A santidade
Manchei!... Oh! Se  me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!

Observa-se que este poema é a conclusão de um desabafo do indivíduo poético, o que determina a respectiva organização interna. Percebe-se também, a confissão da afronta a Deus vivenciado no seu passado, havendo dessa forma o arrependimento por parte do poeta.       





REFERÊNCIAS

AMARAL, Emília [et al]. Novas palavras. 2 ed. São Paulo: FTD, 2003

CEREJA, William Robert; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: linguagem. 5 ed. São Paulo: Atual, 2005
  
MASSAUD, Moisés. A literatura portuguesa. 33 ed. São Paulo: Cutrix, 2005 

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Sonetos Eróticos de Bocage

Soneto do Pau Decifrado
por Bocage

É pau, e rei dos paus, não marmeleiro,
Bem que duas gamboas lhe lobrigo;
Dá leite, sem ser árvore de figo,
Da glande o fruto tem, sem ser sobreiro:

Verga, e não quebra, como zambujeiro;
Oco, qual sabugueiro tem o umbigo;
Brando às vezes, qual vime, está consigo;
Outras vezes mais rijo que um pinheiro:

À roda da raiz produz carqueja:
Todo o resto do tronco é calvo e nu;
Nem cedro, nem pau-santo mais negreja!

Para carualho ser falta-lhe um U;
Adivinhem agora que pau seja,
E quem adivinhar meta-o no cu.



Soneto da Cagada
por Bocage

Vai cagar o mestiço e não vai só;
Convida a algum, que esteja no Gará,
E com as longas calças na mão já
Pede ao cafre canudo e tambió:

Destapa o banco, atira o seu fuscó,
Depois que ao liso cu assento dá,
Diz ao outro: "Oh amigo, como está
A Rita? O que é feito da Nhonhó?"

"Vieste do Palmar? Foste a Pangin?
Não me darás notícias da Russu,
Que desde o outro dia inda a não vi?"

Assim prossegue, e farto já de gu,
O branco, e respeitável canarim
Deita fora o cachimbo, e lava o cu.



Soneto do Prazer Maior por Bocage

Amar dentro do peito uma donzela;
Jurar-lhe pelos céus a fé mais pura;
Falar-lhe, conseguindo alta ventura,
Depois da meia-noite na janela:

Fazê-la vir abaixo, e com cautela
Sentir abrir a porta, que murmura;
Entrar pé ante pé, e com ternura
Apertá-la nos braços casta e bela:

Beijar-lhe os vergonhosos, lindos olhos,
E a boca, com prazer o mais jucundo,
Apalpar-lhe de leve os dois pimpolhos:

Vê-la rendida enfim a Amor fecundo;
Ditoso levantar-lhe os brancos folhos;
É este o maior gosto que há no mundo.

Manuel Maria Barbosa du Bocage

 Bocage, também conhecido pelo pseudônimo Elmano Sadino. Nasceu na cidade de Setúbal (Portugal) em 1765 e faleceu em 1805. Considerado o maior poeta do sèculo XVIII. Tinha o espírito aventureiro, passou por muitas dificuldades, vivendo com doenças, misérias e perseguições.

"Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades"
                                    (BOCAGE)